O lado oculto do nazismo

Oficiais das SS praticavam rituais satânicos em busca de inspiração para massacres de judeus
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Castelo de Wewelsburg (ao fundo), onde ocorriam os rituais das SS nazista
CASTELO DE WEWELSBURG (AO FUNDO), ONDE OCORRIAM OS RITUAIS DAS SS NAZISTA

Por Oded Heilbronner
Muitos foram surpreendidos pelo fato de que assassinos como Heinrich Himmler, um dos mais poderosos líderes nazistas, também foram homens de família dedicados – um tema que voltou a despertar interesse devido à recente descoberta, revelada em Tel Aviv, de cartas trocadas entre Himmler e sua esposa.
As tentativas de explicar esta aparente contradição, bem como outros aspectos do nazizmo, sempre focaram o lado racional. Apenas uma década atrás, um número crescente de historiadores começou a prestar atenção em aspectos irracionais do Terceiro Reich.
O historiador George Mosse, uma autoridade em Alemanha nazista, escreveu há 50 anos que seus colegas não estavam prestando atenção suficiente ao lado místico do nazismo, por identificarem nele elementos anti-intelectuais e irracionais. Eles tendem a pensar, argumentou Mosse, que um historiador deve se concentrar nos aspectos mais racionais da vida, mas este não seria o caso em relação ao Terceiro Reich. Esta opinião foi considerada estranha e inaceitável em 1960.
Assim, os maiores historiadores, filósofos e sociólogos procuraram compreender o regime nazista através da lente do racionalismo. Atos ou opiniões que não estão de acordo com o racionalismo ocidental não foram pesquisados pelos institutos de pesquisa acadêmica. Eles foram deixados nas mãos da cultura pop e de pesquisadores independentes, menos prestigiados e cujos livros eram mais baratos do que aqueles lançados por editoras acadêmicas. Por exemplo, a pesquisa de Nicholas Goodrick-Clarke, publicada em 2001 no livro “Sol Negro: Cultos Arianos, Nazismo Esotérico e Políticas de Identidade” (lançado no Brasil pela Editora Madras), foi considerado um livro não acadêmico, e geralmente não é encontrado no currículo dos cursos oficiais.
Na literatura sobre esoterismo, cultos satânicos e misticismo, há um grande espaço para discussão sobre a adoração do tipo encontrado entre a liderança nazista. A cultura popular também tem tratado muitas vezes deste aspecto satânico, místico, do nazismo. Jogos de computador, bandas de rock e a literatura de ficção abordam os aspectos místicos, satânicos, espirituais e escuros enfatizados no Terceiro Reich. Entretanto, a pesquisa acadêmica até recentemente tendeu a ridicularizar este lado do nazismo ou da cultura pop pós-nazista.
Agora, muitos pesquisadores vêm reconhecendo o fato de que não temos ferramentas suficientes para explicar tudo o que aconteceu entre 1933 e 1945, como o historiador da Universidade de Tel Aviv, Shulamit Volkov, escreveu anos atrás. Um exemplo disso foi a popularidade de cultos satânicos entre os oficiais das SS.
As maiores inteligências se voluntariaram para as SS e se tornaram oficiais. O núcleo das SS, além de seu líder, Heinrich Himmler, incluía juristas e médicos que conduziram as campanhas de destruição ou eram comandantes dos campos de concentração e de extermínio.

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HIMMLER E OS ARTEFATOS UTILIZADOS NAS REUNIÕES ANUAIS NO CASTELO

Entre 1936 e 1941, algumas dessas pessoas se reuniram no castelo Wewelsburg, no noroeste da Alemanha, uma vez por ano, sob o comando de Himmler, para participar de rituais satânicos e ler textos antigos de tribos germânicas. Com Himmler representando o Rei Arthur e os 12 oficiais das SS nos papéis dos 12 cavaleiros, esses líderes nazistas sentavam-se em torno de uma mesa redonda na tentativa de incorporar os heróis pagãos da lenda saxã.
O castelo foi o centro sagrado pseudo-religioso das SS. Ele foi construído no final da Idade Média e suas paredes foram decoradas com o “sol negro”, um símbolo indo-europeu, semelhante à suástica.
O castelo ficava no local onde se acreditava que o herói alemão Armínio, também chamado Hermann der Cherusker, derrotou o exército romano no século IX, libertando a região do domínio romano. Segundo a lenda alemã, uma de suas salas serviu como um centro de culto ao Santo Graal.
Heinrich Himmler viu-se como um descendente de Henrque I, rei da Alemanha e fundador da nação alemã. No século X, Henrique (Heinrich em alemão) destruiu as tribos eslavas na Alemanha oriental. Abbey Quedlinburg, na Saxônia, onde ele foi enterrado, era considerado um local espiritual por Himmler e seus homens.
Um campo de trabalhos forçados foi montado na área e milhares de escravos realizaram obras de expansão no castelo, para que ele pudesse ser um local de encontro para as SS. Na véspera da invasão alemã à Rússia, em junho 1941, os líderes das SS realizaram sua última reunião em Wewelsburg. Depois de explicar o objetivo da invasão e o papel dos grupos de extermínio das SS na liquidação das populações judaica e eslava, Himmler e os seus homens foram ao quarto do Santo Graal para receber inspiração para o que eles viam como o maior momento da história alemã.
Himmler ordenou a destruição de partes do castelo em 1945. O que restou hoje serve como um museu da história das SS e como ponto de encontro para neonazistas, grupos que pregam a supremacia branca e grupos satânicos, místicos e espiritualistas.
São estes os aspectos da História que atestam a importância da fé mística na visão de mundo da elite nazista. Mais pesquisas neste campo poderiam melhorar a compreensão sobre os líderes nazistas e as suas motivações, incluindo o que parecem ser sérias contradições em seu comportamento.

Oded Heilbronner é professor de Estudos Culturais e Históricos da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Publicado originalmente no jornal israelense Haaretz